Ruínas de Dara: uma joia desconhecida na Turquia
A antiga cidade de Dara, com cerca de 2300 anos, foi um dos povoados mais importantes da região de Mardin na Turquia. Seu nome teria sido dado por Darius III (336-330 a.C), último Xá do Império Aquemênida (conhecido também como Rei da Pérsia).
No início da época bizantina, Dara foi uma importante fortaleza e umas das cidades mais populosas, localizada no norte da Mesopotâmia, próxima à fronteira do Império Persa Sassânida. Devido a esta localização estratégica, no século 6 d.C Dara testemunhou muitos conflitos militares, dentre eles a famosa Batalha de Dara em 530 d.C.
Atualmente as ruínas de Dara ficam a apenas 7 km da fronteira da Turquia com a Síria, na vila de Oğuz, no Curdistão Turco. Inclusive, grande parte desta vila foi construída utilizando materiais de antigas construções, evidenciada pela existência de elementos arquitetônicos nas paredes das casas.
Dara, a cidade esculpida na rocha, foi uma típica cidade romana e aguarda para ser descoberta e explorada como Éfeso, também na Turquia.
Para tal, foi solicitado ao Ministério da Cultura e Turismo turco para listar a cidade antiga de Dara como um local imperdível a se visitar na Turquia. Enquanto isso, faço minha parte lhes apresentando essa joia turca!
Um pouco de história
Entre 502 e 506 d.C, durante o reinado do imperador bizantino Anastácio (491-518 d.C), eclodiu um sério conflito com a Pérsia, conhecido como Guerra Anastácia, um de muitos conflitos entre os dois impérios, devastando-os ao longo do século seguinte.
A Guerra Anastácia revelou a fraqueza das forças armadas bizantinas e os generais responsabilizaram a derrota à falta de uma base militar bizantina sólida na região. Enquanto os Persas possuíam uma poderosa fortaleza perto da cidade de Nísibis (hoje a cidade de Nusaybin, também na Turquia, e coladinha com a fronteira da Síria).
Anastasiópolis
Aproveitando um breve momento de trégua, já que as tropas persas estavam no Oriente, o Imperador Anastácio mandou construir uma fortaleza na aldeia de Dara. Localizada a 18 km de Nísibis e a apenas 5 km da fronteira com a Pérsia, serviria como base militar e impediria o avanço dos Persas sobre a região.
Sua construção envolveu pedreiros de toda a Mesopotâmia e evoluiu rapidamente. Dara foi fundada em três colinas, com a cidadela na colina mais alta. Também foram construídos enormes armazéns, cisternas de água e banhos públicos. O novo assentamento foi denominado Anastasiópolis, em homenagem ao imperador, e estabelecido como capital da província da Mesopotâmia.
Justiniana Nova
No entanto, face à rapidez com que foi construída, as muralhas da fortaleza de Dara eram de má qualidade, e associada às severas condições climáticas, culminaram no desmoronamento de longos trechos. Por consequência, o imperador Justiniano I (527-565 d.C) foi forçado a reparar as fortificações de Dara. Aproveitou para elevar a altura do muro interno para 20 metros além de reforçar e elevar as torres para 30 metros. As muralhas tinham cerca de 4 quilômetros de extensão. Para finalizar o trabalho de fortalecimento das defesas de Dara, um fosso foi cavado e preenchido com água.
Ainda, os engenheiros que trabalhavam em Dara mudaram o curso do rio Cordes de modo que ele passou a fluir pela cidade. Esse feito foi obtido através da construção de um canal para conduzir as águas do rio até Dara. Não só a cidade obteve acesso praticamente ilimitado à água potável, como também limitou severamente o acesso à água a invasores potenciais durante o cerco. Inegavelmente, essa solução salvou a cidade várias vezes durante as guerras prolongadas contra a Pérsia.
Para evitar inundações, foi construída uma barragem em arco, uma das primeiras do gênero na história da engenharia. Infelizmente, sua localização permanece desconhecida.
Também foram adicionadas novas construções, como o quartel do exército e duas novas igrejas: a Igreja Grande e a Igreja de São Bartolomeu. Após todas essas mudanças, a cidade recebeu um novo nome, obviamente associado ao Imperador Justiniano, quando passou a ser conhecida como Justiniana Nova.
Abandono
Apenas em 574, apesar de todas as fortificações, Dara foi conquistada pelos persas. Em 590, quando foi estabelecida paz com a Pérsia, a cidade foi devolvida aos bizantinos. No entanto, foi saqueada pelos primeiros em 605, quando decidiram destruir Dara.
A cidade foi reconstruída pelos bizantinos em 628, mas foi conquistada pelos árabes, recém-convertidos ao islamismo, apenas 11 anos depois. Dara permaneceu nas mãos dos árabes por mais de 300 anos. No século 10, a cidade foi saqueada duas vezes (em 942 e 958) pelos bizantinos, os quais nunca recuperaram o controle total deste território. A partir de então, Dara perdeu sua importância estratégica, começou a se deteriorar e foi abandonada.
Escavações das ruínas de Dara na Turquia
As escavações arqueológicas e pesquisas científicas iniciaram em 1986, mas somente cerca de 10% da área foi descoberta, seja por falta de investimento, seja por grande parte das ruínas situarem-se abaixo da vila de Oğuz. Os trabalhos revelaram ruínas arquitetônicas de vários períodos, remontando ao romano tardio, bizantino, seljúcida e otomano.
Dentre os achados históricos revelados nas escavações estão partes das muralhas da cidade, cisternas de água, tumbas em pedra, igrejas, ágora e pontes que foram lentamente surgindo, um a um, com a remoção de 10 a 20 metros de coluna de enchimento aluvial. Se você olhar atentamente para as ruínas, verá uma longa linha paralela ao solo. Tudo abaixo dessa linha passou centenas de anos enterrado até o início das escavações.
Uma das cisternas, semelhante à Cisterna de Yerebatan em Istambul, está localizada a uma profundidade de cerca de 25 metros sob uma casa da vila de Oğuz. Ela é chamada de “Masmorra” pelos moradores e foi desenterrada e limpa ao longo de 15 anos.
Dara é um museu a céu aberto e, se toda a antiga cidade for desenterrada, com certeza será um dos pontos turísticos mais importantes da Turquia.
Saiba quais outros lugares você pode incluir no seu roteiro pela Turquia, além de outras informações!
O preconceito
Um dos principais motivos para as ruínas de Dara não estarem entre os principais pontos turísticos da Turquia, mesmo com toda a sua importância histórica, se deve principalmente ao fato de estar próxima à fronteira com a Síria e aos recentes conflitos na região.
Passamos ao lado da fronteira no caminho para Midyat
Quando as ruínas estavam se tornando populares, os conflitos explodiram e até os turcos pararam de visitá-las. Atualmente, aos poucos, o turismo à região vai retornando.
Confesso que fiquei sim um pouco ressabiada no começo. No entanto, entrei em contato com pessoas que haviam visitado a região recentemente e todas me falaram que eu poderia ir sem medo.
É possível que você veja militares nas ruas e estradas, mas atualmente a situação está sob controle. Todavia, não deixe de pesquisar sobre a situação atual antes de fazer qualquer reserva, para se precaver.
No dia da nossa visita, a vila estava tranquila, sem nenhum sinal de qualquer turbulência recente. As pessoas viviam suas vidas normalmente, os animais pastavam e, embora parecesse abandonada, não me despertou nenhum tipo de mal-estar.
Falta de informação
A informação na internet é escassa em inglês e quase nula em português. Turista estrangeiro é raro, brasileiro então, nunca viram! Fomos tão sem informação que reservei somente 1h para visita-las, achando que era pouca coisa. Surpreendente, tinha muito a ser visto, explorado, encontrado! Acabamos conhecendo às pressas pois tínhamos outras coisas planejadas para o dia.
Essa road trip pelo Curdistão Turco foi uma das mais diferentes que já fiz. Foi uma sensação muito diferente explorar um local tão pouco conhecido. E com tão pouca informação. Me senti como uma desbravadora!!!
Crianças ficam de prontidão perto das ruínas e atuam como guias turísticos, apontando a necrópole, a ágora, as igrejas e a cisterna situada fora do centro da vila. Uma pena que elas só falavam turco, teria sido de grande valia essa ajuda.
Acho que uma das maiores dificuldades dessa viagem foi a comunicação. Mas o google tradutor tá aí para te ajudar nessa questão! Saiba como comprar um chip local na Turquia!
Como chegar nas ruínas de Dara
O vilarejo está a cerca de 30km ao sul da cidade de Mardin.
Para ir de carro, basta colocar “Oğuz” no GPS que não tem erro. Não esqueça de salvar o mapa off-line, caso esteja sem chip de celular.
Alugar um carro foi uma das melhores coisas que fizemos nessa região. E foi a fórmula Turquia + alugar carro + dificuldade de comunicação que resultou num perrengue bárbaro inicialmente um pouco angustiante , mas que nos permitiu conhecer mais um anjo da guarda!
Também é possível chegar utilizando transporte público. Há pelo menos três micro-ônibus que fazem o percurso Mardin-Oğuz diariamente.
Além disso, você pode visitá-la de táxi ou em excursões com agências de viagem.
Ruínas de Dara, Turquia: o que ver?
As ruínas da antiga Dara estão situadas entre as edificações de Oğuz, espalhadas por uma grande área e, em sua maioria, esculpidas em rochas. No entanto, devido à falta de sinalização, tem que ter um pouco de paciência e tempo para encontrá-las, principalmente porque muitas das ruínas estão entre e/ou incorporadas às novas construções.
Dentre as ruínas estão uma ágora, uma bacia de batismo, casas-caverna, o castellum aqua (ou câmara de coleta e distribuição de água), cisternas, igreja, necrópole, pontes, resquícios da muralha e um de seus portões, uma tumba em estilo baldachin e outras estruturas esculpidas nas rochas.
Um pouco antes de chegar ao centro de Oğuz, é possível avistar do lado esquerdo da estrada degraus de pedra esculpidos na rocha. Trata-se de vestígios de antigas pedreiras, onde escravos cortaram os blocos de pedra usados para construir a fortaleza de Dara.
Já na entrada da vila está a necrópole. Os túmulos são esculpidos em rochas calcárias, em até três níveis. Alguns têm forma simples, outros, pertencentes a cidadãos abastados, chamam a atenção por sua amplitude e pelas inscrições e decorações.
Esta área é cercada e aberta à visitação de terça a domingo, das 9h30 às 12h e das 13h às 17h no outono/inverno e 18h30 na primavera/verão. A entrada é gratuita.
Grande Catacumba
Foi lá que encontramos um painel indicando algumas das ruínas que foram descobertas e suas localizações aproximadas. Aí que percebemos quanta coisa tinha para conhecer!
Infelizmente não chegamos a ver o Castellum aqua, localizado ao sul da vila, todo esculpido na rocha. Esta estrutura consiste em câmaras cobertas por abobadas cilíndricas paralelas. Pelas fotos parece enorme!
As cisternas!
No entanto, a maior atração de Dara são as cisternas de água. Algumas estão escondidas no subsolo e o acesso é possível, porém difícil, pois você precisa encontrar o detentor das chaves.
Para nossa felicidade (nossa sorte tinha mudado mesmo) demos sorte! Não foi fácil encontrá-las, mas quando encontramos, ambas estavam abertas e em uma delas estava acontecendo um ensaio de um coral, tornando aquele momento simplesmente inesquecível. A acústica era fantástica.
Próxima a uma das cisternas estava a ágora, perto da qual havia um grupo de arqueólogos realizando escavações. Por sorte falavam um tiquinho de inglês e nos explicaram um pouco sobre as ruínas e o trabalho que estavam realizando. Apesar de saberem o valor daquele local, o governo não parece dar muita importância. Não havia qualquer tipo de proteção das ruínas e o investimento voltado para esse trabalho parece mínimo.
A moça à minha frente (foto superior esquerda) e moço na foto abaixo eram os arqueólogos que trabalhavam nas escavações próximas à Ágora (foto da direita).
Recomendações
- Reserve meio dia para o local;
- Explore também a vila, afinal, muitas das ruínas estão entre as casas ou incorporadas às construções atuais!
- Há apenas um restaurante na vila, em frente à entrada da necrópole. Não fomos nele, mas leve lanchinho e água, vai que o cardápio não te agrada;
- O conhecimento de um guia especializado irá beneficiá-lo, não tenho dúvidas. Senti falta de algumas explicações, mas, principalmente, de alguém que soubesse onde estão as coisas. As crianças ajudam, mas somente aos turistas turcos, pois só falam turco (podia ter tentado uma comunicação via google tradutor, como fizemos em outros momentos da viagem…)
- Caso você não se sinta confortável indo por conta como nós, contrate os tours antes mesmo da sua ida, não deixe para procurar por um lá. Há agências no Brasil que fazem este passeio se você solicitar (não é algo que estará dentre os pontos obrigatórios da Turquia. Por enquanto!).
Sobretudo, não deixe que a proximidade de Dara com a fronteira com a Síria o desencoraje. Vá! Prometo que não irá se arrepender de conhecer não só Dara, mas também toda a região de Mardin na Turquia!
Destinos Inexplorados
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8 Comentários
Deyse
Muito interessante o seu texto sobre as ruínas de Dara, essa joia rara da Turquia e todas as contribuições que você traz. Fiquei bem fascinada por todo o contexto histórico levantado e os detalhes da cidade, da guerra e das ruínas! Sem dúvida é um destino que gostaria de conhecer e explorar!
barbaracortat
A história do lugar também me fascinou. Como pode uma cidade tão importante ser ainda desconhecida, né?
Hebe
Que bacana esse lugar, lindo demais essas ruínas de Dara na Turquia. Uma pena ser um destino inexplorado né? Salvei seu post aqui nos favoritos, para ir conhecer, quando for a Turquia. parabéns pelo conteúdo.
barbaracortat
Ele merece demais o reconhecimento de sua importância, quem sabe dessa forma invistam mais nas escavações.
Pamela
As ruínas de Dara são realmente lindas! Fiquei encantada com as fotos e seu texto. Que pena que os conflitos fizeram com que muitos turistas não conhecessem a região. Realmente é uma perda para quem gosta de ruínas e achados arqueológicos!
Angela Martins
Adorei o post! Eu realmente não conhecia essa joia desconhecida na Turquia. Fiquei com muita vontade de conhecer as Ruínas de Dara. As cisternas são impressionantes!
Adriana Rodrigues
Esta viagem eu achei fantástica!
E a descrição do post é como ler um bom livro e querer saber mais!
Muita coisa diferente!
E mesmo que eu nunca vá conhecer pessoalmente, hora porque viajando sozinha não me arrisco muito, hora pela lista de desejos, lendo e vendo tudo isso me sinto informada e viajada!
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